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CRIAÇÃO DE UMA PLATAFORMA ONLINE DE PARTICIPAÇÃO CIDADÃ COM ORÇAMENTO PARTICIPATIVO
A Carta às Candidaturas das Cidades Brasileiras criada pela Rede Brasileira de Urbanismo Colaborativo traz como um dos seus principais pontos a CRIAÇÃO DE UMA PLATAFORMA ONLINE DE PARTICIPAÇÃO CIDADÃ COM ORÇAMENTO PARTICIPATIVO, tratando da necessidade de construção de espaços virtuais institucionalizados e independentes das gestões partidárias que possam garantir um ambiente de diálogo permanente com a população nos processos de tomada de decisão. Mas para que os governos locais que assumirão a gestão dos municípios brasileiros em 1º de janeiro de 2021 se comprometam com essa construção, é necessário um entendimento e um alinhamento sobre os mecanismos de participação e a sua tradução para as ferramentas tecnológicas, iniciando com a história recente destas experiências no país.
O Orçamento Participativo (OP) é um instrumento de participação social cujo processo propõe que parte do poder de decisão que a população dá ao Estado, através do voto, lhe é devolvido para que o povo decida as prioridades da cidade – é um exemplo de inovação social que proporciona o avanço da democracia representativa para a democracia direta e participativa. É um processo democrático no qual os membros da comunidade decidem como gastar parte do orçamento público. Dá às pessoas poder real sobre o dinheiro real.
O OP é reconhecido como uma prática de “civismo revolucionário em ação”, justo pois ele tem o potencial de aprofundar a democracia, podendo construir comunidades mais fortes e criar uma distribuição mais equitativa dos recursos públicos. Além disso, o OP traz maior transparência à gestão de recursos e incentiva a população a contribuir ativamente com seu município.
O Orçamento Participativo começou em Porto Alegre - RS em 1989, como uma medida anti pobreza que ajudou, entre outros tantos avanços, a reduzir a mortalidade infantil em quase 20%. O encontro internacional da “Cúpula das Cidades” de 1996 – também conhecido como a Conferência de Istambul, ou Habitat II da ONU – reconheceu o Orçamento Participativo como "Prática Bem Sucedida de Gestão Local", considerando a experiência como uma das 40 melhores práticas de gestão pública urbana no mundo, de modo que o Orçamento Participativo de Porto Alegre se consagrou como uma referência global, e desde então, o OP se espalhou por mais de 7.000 cidades em todo o mundo e tem sido usado para decidir orçamentos de Estados, condados, cidades, programas habitacionais, escolas e outras instituições.
Porém, apesar de uma história sólida e com muitas evidências de sua eficácia é preciso nutrir a noção de cuidado com as conquistas no âmbito da participação popular, pois estas estão sempre ameaçadas, como no próprio caso de Porto Alegre, que nos últimos governos – de orientação neoliberal – vem enfrentando o abandono do OP, esta ferramenta que é uma construção histórica da cidade, cuja perda de protagonismo durante a última gestão chegou ao ponto de ter a realização de assembleias suspensas em 2017 por alegação de que não havia verbas sequer para executar demandas pendentes dos anos anteriores, minando a própria crença da população no exercício cívico da participação.
Neste contexto de incertezas políticas que a Rede aponta para a aliança entre a inovação social e a inovação tecnológica, com o objetivo de ampliar as possibilidades de participação cidadã, propondo o encontro profundo do Orçamento Participativo com a era digital. Mas de que maneira é possível conciliar a gestão pública e as suas questões orçamentárias com a lógica da participação digital? Sabemos que existem muitos casos de sucesso, alguns de renome internacional como as potentes plataformas espanholas Decide Madrid e Decidim Barcelona, cujo contexto europeu lhes garante, além de estabilidade, um ambiente propício para a prototipagem, autoavaliações e avanços nas suas ferramentas.
E quais são as boas práticas de plataformas digitais que promovem a participação popular, cujos contextos dialogam com a realidade de precariedade e de inúmeras dificuldades no âmbito social que encontramos nas cidades brasileiras? Diretamente da Argentina a gente apresenta um pouco da experiência da cidade de Rosario, com todo o seu desenho de processo que une os encontros presenciais e as plataformas digitais - o Rosario Participa.
Iniciado em 2002, o projeto tornou Rosario a primeira cidade da Argentina a implementar o Orçamento Participativo, criando um espaço de encontro com os moradores onde as políticas sociais e urbanas podem ser planejadas em conjunto para cada bairro da cidade, isso tudo em meio à crise econômica e institucional do país, quando a agitação era sentida nas ruas e bairros. Para enfrentar a situação e avançar com o trabalho coletivo entre o Estado e as organizações da sociedade civil, o Município pensou nesse mecanismo como uma forma de oferecer um canal de expressão aos cidadãos, discutindo em conjunto como alocar recursos e trabalhando com as seguinte metas:
• Promover a participação direta das vizinhas e vizinhos na distribuição dos recursos públicos;
• Consolidar e fortalecer a relação Estado-Sociedade Civil por meio de mecanismos participativos;
• Tornar transparente a destinação dos recursos públicos e das ações do Estado local;
• Incubar nos cidadãos uma apropriação territorial a partir da defesa do papel de vizinhas e vizinhos como voz autorizadas a diagnosticar e valorizar as prioridades do bairro.
O processo é organizado em rodadas de Reuniões de bairro (em todos os bairros), Eleição das Conselheiras e Conselheiros, formação dos Conselhos de Participação Cidadã e a elaboração de projetos nos Conselhos Participativos, seguido da etapa de votação, que é mista, podendo ser presencial ou online. Além disso há também o Presupuesto Participativo Joven, um espaço de encontro, discussão e debate sobre temas de interesse dos jovens, através do qual podem propor, pensar, transitar e habitar a cidade a partir do olhar, encontrando-se na escola, no bairro, no clube, com seus pares e assim pensar, construir e escolher projetos para uma cidade onde todas e todos têm um lugar. É um exercício prático de cidadania. Ao longo do ano, são criados espaços de participação para promover o debate de ideias e o surgimento de iniciativas juvenis e transformar essas propostas em ações concretas. A partir daí, é feita uma análise de viabilidade, os projetos são apresentados e votados em diversas plataformas.
Cabe ressaltar que todo o mecanismo de participação é bastante simples, fundamentado numa vontade política de promover espaços reais de participação, acessíveis, de fácil compreensão e utilização, tanto no funcionamento presencial quanto nas plataformas digitais (sites e aplicativos).
Um dado interessante é que agora na crise sanitária global do coronavírus o município manteve toda a agenda de participação 100% digital.
Será que nos novos mandatos de 2021 poderemos contar com a implementação deste tipo de ferramenta nas nossas cidades?